Autor de alguns dos maiores clássicos da música brasileira dos anos 80 e 90, Michael Sullivan lança seu álbum mais autobiográfico

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Produzido por Alice Caymmi, ‘Ivanilton’ traz apenas canções inéditas e participações especiais de Fagner, Ana Carolina, Filipe Catto, Almério, Julio Secchin e Roberta Campos

Embora habitem o mesmo corpo há quase cinco décadas, a linha que separa Michael Sullivan de Ivanilton é bastante clara. Sullivan é 20 e poucos anos mais novo. Um vitorioso, ele nasceu cantando músicas em inglês e, logo depois, quando se propôs a criar no próprio idioma, se tornou o cara dos números estratosféricos: centenas de canções compostas, dezenas de hits absolutos na memória afetiva do Brasil, álbuns produzidos para estrelas como Tim Maia, Alcione, Fagner, Sandra de Sá, Fafá de Belém, Roupa Nova, Xuxa. Já Ivanilton é um sobrevivente. O batalhador que nasceu há 73 anos em uma família pobre de Pernambuco, que dormiu na rua, que tomou paulada a vida inteira para chegar aos lugares, para conquistar as coisas e para se tornar… Michael Sullivan. Sim, eles são a mesma pessoa em tempos diferentes. Ivanilton de Souza Lima é o nome de batismo de Michael Sullivan. E é para sua versão pré-fama que o cantor, compositor e produtor lança agora o álbum mais autobiográfico da carreira. Produzido por Alice Caymmi e coproduzido por Sullivan, Ivanilton (Sony Music) traz 11 canções inéditas e tem participações especiais de Alice, Fagner, Ana Carolina, Filipe Catto, Almério, Julio Secchin e Roberta Campos.

Trata-se, em boa medida, de um acerto de contas de Michael Sullivan com a própria história – mas do passado dele eu trato mais adiante. Antes de mais nada, é importante notar que o álbum também projeta o cantor e compositor para o futuro. Basta correr os olhos pela ficha técnica de Ivanilton para chegar a essa conclusão. Seja pelo nome de Alice Caymmi na produção musical, seja pelo time escolhido para os duetos. Alice tem relação pessoal com Sullivan desde a infância e, no final da pandemia, botou em prática a ideia de fazer um álbum com o amigo. “Selecionei, entre muitas canções que ele me enviou, as que mais dissessem sobre ele: como compositor, como artista e como pessoa”, diz Alice. “O fato de disco se chamar Ivanilton vem de um desejo de trazer dele uma verdade maior, além da persona Michael Sullivan. Eu quis chegar cada vez mais fundo na pessoa Ivanilton. O disco é muito focado nisso. E na minha relação com ele, uma relação que a gente não explica, que não é deste mundo, de muito afeto e carinho.”

Além de produtora, Alice é coautora de “A Ver Navios”. Canta em “Não Preciso me Justificar” (Sullivan/ Celso Fonseca) e em outras duas: “Loucura me Pega”, parceria de Sullivan com Marília Bessy, e no single “Coisa à Toa”, lançado no último 9 de março, dia em que Sullivan completou 73 anos. Outra escrita com Celso Fonseca, “Coisa à Toa” foi a primeira música composta para o álbum Ivanilton – e a primeira a ser gravada. “Sempre que faço algo com Alice Caymmi, penso no blues”, diz Sullivan. “Eu já tinha feito muitos blues no passado, como ‘Me Dê Motivo’. Mas esse é um tipo de blues atualizado, tem um pouco de Amy Winehouse, mas num espírito bem brasileiro.”

Confira: https://smb.lnk.to/IVANILTON

Assista visualizer de “Tudo Vale a Pena” com Ana Carolina: https://youtu.be/AME2goswGOA 

Celso Fonseca também é nome frequente em Ivanilton. “Tudo Vale a Pena” é uma parceria do músico carioca com Sullivan e Ana Carolina, que canta na faixa. A quatro mãos com Sullivan, Celso escreveu a já citada “Coisa à Toa” e também “Namoro”, que tem participação de Julio Secchin, e “Onde Eu For”, que conta com a voz de Roberta Campos (leia o faixa-a-faixa escrito pelo próprio autor no final desse texto). “Sullivan sempre fez parte da minha vida. Muitas de suas canções foram trilha sonora de minhas histórias”, conta Roberta. “Recebi o Sullivan em minha casa em 2021 e foi um momento bonito, cantamos muito, contamos muitas histórias, ganhei um grande amigo. Dias depois, ele me convidou para participar do álbum. Criei a levada do violão e o coração entoou cada palavra dessa canção linda. Agora faço parte da história dele e isso não cabe em mim de tanta felicidade.”

Mas a canção mais autobiográfica do álbum tem letra de um novo parceiro, Juliano Holanda. “Versos na Parede” reflete muito o caminho que levou Ivanilton a se tornar Michael Sullivan: “Tá vendo aqueles versos na parede/ Que te escrevi com o lápis do perdão?/ Os versos que mataram minha sede/ São mais fortes do que as grades da prisão/ E têm mais cores/ Do que as dores da paixão/ (…)/ Tem mais cortes do que há sorte em minhas mãos”. Segundo Juliano, é também uma autobiografia sua. Ele nasceu em Goiana, Zona da Mata Norte de Pernambuco, já na divisa com a Paraíba. “Sullivan também é dessa região. E ele sempre foi pra mim essa lenda do garoto que saiu daqui e alcançou outros patamares, quase uma figura de um panteão mágico”, diz Juliano. “Era um grande exemplo de caminhada e da possibilidade que a vida dele abriu sobre várias pessoas que nasceram naquele lugar. A arte dele era a prova que, se você fizer um trabalho legal, com afinco e luta por suas ideias, você chega a lugares. Foi uma bandeira que apontou alturas pra gente, lugares onde dava pra chegar. Essa parceria tem pra mim esse significado todo.” Além de “Versos na Parede”, Juliano Holanda assina outras três parcerias do álbum: “À Deriva”, “Tempestade” e “Fale por Você”.

Sullivan divide “Tempestade” com Fagner, historicamente um dos intérpretes mais importantes de suas canções. É o veterano dentro do elenco predominantemente jovem de Ivanilton. O visceral Almério divide os vocais em “À Deriva”, um novo e instantâneo clássico. E a cantora Filipe Catto traz seu timbre personalíssimo para “Fale por Você”. “É incrível participar de um novo momento de um compositor, muito mais quando o mesmo embalou um Brasil com suas letras e canções, que sempre embalaram meu coração”, diz Almério. “É muito bonito ver um compositor desse quilate e com toda experiência ter um coração tão generoso. E o mais belo, ter ainda a arte pulsando dentro do peito.”

Para Filipe, Michael Sullivan é um monstro, um mito do Brasil. A cantora ressalta a complexidade da obra do compositor e sua abrangência estética e a capacidade de derrubar fronteiras. “Uma pessoa que tem essa quantidade de sucessos, uma obra tão completa, que circulou para os mais variados lugares, só demonstra umas das maiores qualidades dele que é a devoção à música, sem se prender a rótulos e sem ser careta. Ele tem a grandiosidade de se entregar completamente para as composições. É muito bonito fazer parte de um projeto dedicado a um compositor indispensável para o Brasil. Estou louca para fazer mais coisas com ele. Eu amo.”

Além de trazer um novo lote de belíssimas canções, Ivanilton é a comprovação da longevidade criativa de Michael Sullivan. O cantor e compositor que, aos 73 anos, está nu e olha para a própria história em busca de impulsos para o futuro. E assina tudo pela primeira vez com o nome que o construiu: Ivanilton. Não por acaso, Tim Maia, Hyldon, Raul Seixas, Cassiano, Odair José, Renato Barros e outros amigos mais antigos sempre o chamaram assim. Ele era Ivanilton quando chegou ao Rio em busca de um lugar ao sol no mundo da música, aos 17 anos, depois de bons resultados como calouro na TV e na Rádio Jornal do Commercio, em Recife.

Até que, em meados dos 1970, Ivanilton se tornou Michael Sullivan, embarcando na onda de novos artistas brasileiros que se lançavam no mercado de músicas disfarçados de cantores gringos. Seu primeiro sucesso foi “My Life”, gravada em um compacto de 1976 que vendeu milhares de cópias e ainda entrou para a trilha da novela “O Casarão”, da Globo. E, a partir da década seguinte, produziria alguns dos maiores clássicos brasileiros. Um compositor que teve canções gravadas por nomes como Tim Maia (“Leva”, “Me Dê Motivo”), Roberto Carlos (“Amor Perfeito”, “Pergunte pro seu Coração”), Alcione (“Estranha Loucura”, “Nem Morta”), Gal Costa (“Um Dia de Domingo”), Fagner (“Deslizes”), Roupa Nova (“Whisky a Go-Go”), Sandra de Sá (“Retratos e Canções”, “Joga Fora”), Rosana (“Nem um Toque”), Joanna (“Amanhã Talvez”) e Fafá de Belém (“Meu Dilema”, “Abandonada”), entre muitos outros. E que também brilhou no terreno da música infantil, fornecendo sucessos para Os Trapalhões, Trem da Alegria, Angélica, Patrícia Marx e Paquitas. Para Xuxa, compôs quase 40 canções, incluindo “Lua de Cristal”, “Parabéns da Xuxa” e “É de Chocolate”.

“Foi o Ivanilton quem decidiu que o passado não definiria meu futuro. E correu atrás”, diz Sullivan. “Ele é o professor do Michael Sullivan de hoje, desse que gosta de trabalhar para o futuro. O Ivanilton coloca o meu passado para dormir todas as noites, mas ele é que é a vanguarda, futucando na minha cabeça o tempo todo para as coisas novas.” Que belo professor foi esse Ivanilton.

MARCUS PRETO

(março de 2023)

Faixa a Faixa por Michael Sullivan

  1. Versos na Parede

Conheci o Juliano Holanda por telefone, pois estávamos na pandemia. Tivemos longos papos sobre tudo. Fomos conhecendo as esquinas das almas de cada um. E então veio “Versos na Parede”, onde Juliano captou e fez a minha biografia musical.

Os versos que mataram minha sede

São mais fortes do que as grades da prisão

E têm mais cores do que as dores da paixão

Nasci aprisionado na seca, na fome e na pobreza. Vim para o rio, morei nas ruas, fui preso por vadiagem uma noite. Na cadeia, porém, sendo menor de idade, fui solto para ficar a responsabilidade de Romildo Moura, que tinha fé pública. Essa liberdade me mostrou que existe sempre um milagre ao primeiro passo, para algo paralisante em nossas vidas. Nesse dia eu resolvi que iria viver para uma música plural, ilimitada a circunstâncias. E principalmente as minhas. Eu me detestaria se como vítima eu respeitasse os meus carrascos. Entendi que para eu ser feliz teria que deixar de ser vítima dos problemas e compor minha própria história. Olha eu aqui depois, 2000 composições falando.

  1. Coisa à Toa

Foi a primeira faixa composta do disco. Assim como, foi a primeira da safra de oito músicas que compus com Celso Fonseca, em 10 horas, de um dia no meu estúdio Clave de Sullivan.

Essa sonoridade, essa região, esse lugar na música Black Brasil é a casa da minha alma.

É a inquietude do meu futuro implorando por essa música. Então mostrei “Coisa à Toa” pra Alice, para convidá-la a cantar, e então vimos que Ivanilton tinha plano pra nós dois. Aliás, ela deu o nome ao álbum.

  1. Onde Eu For

Nada não nos impedirá de ter um último dia, mas pelo menos o amor nos salva diariamente.

Onde for é solar, é leve, é onde me projeto como quem ama. Como Ivanilton ama Anaile.

E a Roberta Campos é uma pessoa incrível para construir um caminho nas virtudes do amor. Ela veio ao estúdio, com a música no coração. Tocou violão! Que pessoa virtuosa, uma artista sensível, única e extremamente competente! Sou grato a essa amizade.

  1. Tudo Vale a Pena

Quando acabamos de rabiscar, eu e Celso Fonseca, falamos “essa música precisa da Ana (Carolina)”. A energia da letra da Ana, de mudar tudo de lugar para o épico. Ana reconhece sua força, por isso ela é uma fonte inesgotável de inspiração. Ao ouvir os primeiros trechos de “Tudo Vale a Pena”, Ana entendeu o chamado da música. Quando eu ouvi todas as finalizações pela primeira vez, e a voz da Ana, chorei. Falamos ao telefone, cada um chorando lado a lado.

  1. Loucura Me Pega

Falando de música: se o doido persistir na sua loucura, torna- se sensato. Sinto que essa composição que fiz com Marília Bessy é uma versão contemporânea da linhagem de “Estranha Loucura”. Porque “Estranha Loucura” é uma canção que habita dentro de mim. A escrita da letra de “Loucura Me Pega” me projeta para esse lugar. Às vezes, é importante reconhecer as raízes de algo novo. Pois é nesse campo, que está “Loucura Me Pega”.

  1. Namoro

“Namoro” é um baile, a compondo eu recorri às minhas memórias dos bastidores do programa do Wilson Simonal, de quando eu cantei lá. Toda a essência daquele tempo e do agora estão nessa música. Por isso, o Júlio Sechin, que é o agora, com a essência de bons tempos.

  1. À Deriva

A música tem a leveza do espírito e a força do tempo. E nós?

“…somos barcos longe dos faróis

À deriva nessa escuridão

Naufragamos em nossos lençóis tentando escapar da solidão…”

Almério renasce todos os dias do pé do encanto. Nessa metamorfose Almério, colhemos canto fresco do pé. Suas interpretações, nota a nota, tenho certeza que a senhora música o escuta como fina poesia. Ele é meu conterrâneo, minha gente. Almerio e Juliano Holanda nasceram do meu mesmo chão, a terra do planeta que vislumbra um recomeço.

  1. Tempestade 

Fagner é um grande irmão. Dentro das afinidades que tenho com ele, a principal é que, assim como eu, ele encara a tempestade com bravura. Com experiência aprendemos que não importa o tamanho da tempestade, o que irá determinar o curso da vida é a direção da vela.

“E fui embora

Mais alto que o céu.

Lá fora agora quem chove sou eu.

Sou eu”

Pra mim a arte de Fagner é um norte, assim como a nossa amizade. Quando estávamos colocando voz, ficamos felizes, emocionados e ele já foi mandando no grupo dos amigos, e colhemos elogios. Como é incrível pra mim crescer, aprender, evoluir ao lado dos amigos que amo.

  1. Fale Por Você

“Fale Por Você” precisava da voz feminina de Filipe Catto, porque a sua voz é um abrigo. A canção se hospeda com conforto no metal, na densidade, na precisão artística da maturidade de quem se apropria cada vez mais de si. Por isso, “Fale Por Você”, é um conselho certeiro, quando dito por Filipe.

“…Colha os meus delírios

Muito além dos olhos.

Troque os seus colírios

Leve os seus relógios,

Livros, mãos, pedágios,

Seus armários e os vestígios

De tudo enfim

Que não há,

Não há mais lugar pra nós em mim…”

  1. A Ver Navios e 11. Não Preciso Me Justificar

“A Ver Navios” é outra parceria minha com Alice Caymmi. De fato, sempre teremos recados diretos e indiretos para dar à sociedade. E um deles é título de outra canção: “Não Preciso Me Justificar”.

Alice é destemida, todo o mar foi feito para esse peixe que generosamente entende a diversidade e forma dos oceanos. Onde houver ondas, ela desfilará com sua voz. Uma mulher que acontece, revoluciona, que dá sentido ao DNA com seu ser plural.

Como me vejo na Alice! Cantar, compor e produzir esse disco é um presente divino, ou a lei do universo: “aqui se faz, aqui se paga” . Isso não é uma ameaça, é a lei do retorno, para aqueles que não acreditam em Deus como eu.

Levamos um ano fazendo esse álbum, mas penso que; se temos de esperar, que seja para colher a boa semente que lançamos hoje no solo da vida.

Ivanilton