Artigo de Rodolfo Carlos Weigand Neto, sócio do escritório Weigand & Silva Advogados, e de Gleice Domingues de Souza, advogada na Weigand & Silva Advogados

Brasil, o país do futebol! Alguém tem dúvida disso? Pois bem… Mesmo após um período eleitoral bastante conturbado, com a proximidade do início dos jogos da Copa do Mundo, todos começam a entrar nesse espírito e ansiar pelo festejo promovido nas reuniões com amigos e familiares para acompanhamento dos jogos da seleção.

Ocorre que muitos destes jogos são realizados durante a jornada de trabalho, sendo comum em nosso país que as empresas flexibilizem seus horários para permitir que os empregados acompanhem os mesmos.

A Copa do Mundo no Catar não será diferente. O primeiro jogo do Brasil (contra a Sérvia) ocorrerá no dia 24 de novembro, às 16h00. E o mesmo ocorrerá com os demais jogos da primeira fase, que também serão transmitidos nos horários considerados “comerciais”.

Com isso, surgem diversos questionamentos: como, por exemplo, se os empregados devem ser liberados para assistirem os jogos, ou se após o fim da partida são obrigados a retornar imediatamente ao trabalho e as possíveis consequências para os colaboradores que descumprirem eventuais determinações de seu empregador.

Para responder essas perguntas, precisamos partir do princípio que a legislação trabalhista brasileira nada disciplina quanto ao tema, ficando ao crivo das empresas ajustarem tais regras com os seus colaboradores, observando as diretrizes gerais das normas trabalhistas.

Nesse contexto, não há nenhuma normativa que obrigue as empresas a permitirem que seus colaboradores deixem seus postos de serviço para assistirem aos jogos da seleção, ou que não retornem mais ao trabalho para esticarem no “happy hour”, uma vez que é considerado feriado apenas os dias definidos como tal por meio de lei ou decreto.

Por outro lado, considerando o aspecto cultural envolvendo a questão, é de vital importância que o empregador deixe claro aos empregados quais serão as regras que permearão o trabalho em tais dias, ou seja, os horários permitidos de paralização das atividades, horários de retorno ao trabalho, eventuais limites de tolerância, se será permitido retornar ao seu posto após o consumo moderado de bebida alcoólica, etc.

Tudo isso deve ficar claro pelos canais já utilizados pelo empregador para comunicação com seus empregados, devendo a empresa sempre se acautelar de arquivar tais documentos para apresentação em eventuais questionamentos futuros.

Definidas as diretrizes de comportamentais dos empregados, é necessário lembrar que eventuais punições devem seguir as normas definidas na legislação trabalhista, a serem avaliadas “caso a caso”. Para tanto, como toda punição, deve observar-se o bom senso, a proporcionalidade e a sua razoabilidade. Porém, deve-se levar em consideração também a excepcionalidade do momento.

Em linhas gerais, eventuais infrações seriam enquadradas como desídia, o que possui previsão legal no artigo 482, “e” da CLT. Todavia, diferentemente do abandono de emprego (em que o empregador pode demitir de imediato o empregado por justa causa), o entendimento jurisprudencial é que a desídia é considerada infração de menor potencial ofensivo, sendo necessário infrações reiteradas da mesma natureza, desde que devidamente advertidas pelo empregador, para assim se caracterizar e ser passível de demissão por justa causa.

Nada impede que, ao analisar o caso concreto, e dependendo da natureza da atividade ocupada ou do próprio histórico documentado de “insubordinação” do empregado, o empregador se veja diante também de um quadro em que seja possível a aplicação de uma punição mais severa. Há de se ter cautela também com a aplicação de punições excessivas e que podem trazer riscos de questionamentos futuros.

Apenas para exemplificar, o abandono do posto de serviço em virtude dos jogos da Copa do Mundo não se caracteriza como abandono de emprego propriamente dito, visto que juridicamente tal enquadramento somente é possível para faltas injustificadas e consecutivas por mais de 30 dias (e ainda assim, só pode ser considerada após o não atendimento do empregado quanto a comunicação da empresa para que retome suas atividades, conforme disposto na Súmula 32 do TST).

Ponto importante e que merece destaque diz respeito a possibilidade de a empresa ajustar com os empregados eventual compensação das horas destinadas aos jogos e seus respectivos “afters” diretamente no banco de horas. Neste caso, pode o acordo ser formalizado individualmente com o empregado, observando-se os requisitos exigidos pelo artigo 59, § 5º da CLT.

Outra alternativa interessante, e que se tornou bastante comum após o período pandêmico havido nos últimos anos, seria a opção do “home office” nos dias dos jogos. Vale, contudo, salientar a necessidade de ajuste formal entre empresa e empregado, estabelecendo as regras para tal flexibilização, respeitados os critérios previstos para tal modalidade de trabalho na legislação trabalhista (Art. 75-B da CLT).

Ressalta-se que mesmo para os casos de “home office”, as diretrizes para o desempenho do trabalho nos dias de jogos devem também estar previamente estabelecidos, como por exemplo, para os empregados sujeitos a controle de jornada, se a empresa permitirá que o empregado se ausente do trabalho remoto no momento da transmissão dos jogos ou em período posterior.

Destarte, restando tudo ajustado, o empregado poderá evitar incorrer em punições indesejadas, enquanto que o empregador terá mitigado os riscos de passivo trabalhista, podendo ambos com tranquilidade vestir a camisa da seleção e cair na torcida!

*Rodolfo Carlos Weigand Neto é sócio do escritório Weigand & Silva Sociedade de Advogados, especializado em Direito Empresaria Cível e Trabalhista, atuando nas esferas contenciosa e consultiva há aproximadamente 24 anos. Integrou a equipe jurídica de avaliação (due diligence) em processos de desestatização do PND – Programa Nacional de Desestatização do Banco Central, liderando a equipe de avaliação contenciosa de bancos como BEM (Banco do Estado do Maranhão); BEC (Banco do Estado do Ceará); BEA (Banco do Estado do Amazonas) e BEG (Banco do Estado de Goiás). Autor do Livro: Reforma Trabalhista – Impacto no Cotidiano das Empresas pela Editora Trevisan

**Gleice Domingues de Souza é advogada na Weigand & Silva Sociedade de Advogados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), pós-graduada em Advocacia Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MG). Curso Complementar em Didática do Ensino Superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e em Gestão de Pessoas e Compliance Trabalhista pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professora convidada da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuarias e Financeiras (FIPECAFI). Coautora do Livro Reforma Trabalhista: Impacto no Cotidiano das Empresas pela Editora Trevisan.

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