Reality show da Netflix inspira reflexão sobre vínculos afetivos na maturidade; especialista da SBGG explica como se relacionar depois dos 60 anos pode fortalecer autoestima, saúde e qualidade de vida
Recentemente, a Netflix apresentou mais uma edição do reality show “Casamento às Cegas Brasil”, que contou com participantes acima dos 50 anos em busca de um relacionamento sério e duradouro.
De um total de 30 participantes, apenas cinco casais foram formados durante os encontros às cegas, sendo que dois não chegaram até o dia de dizer “sim” ou “não” no altar. Entre esses três casais, um disse o esperado “sim”.
Mas, a pergunta que fica é: o amor tem idade? Segundo a psicóloga, Valmari Cristina Aranha Toscano, membro da Comissão de Formação Gerontológica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a resposta é não.
Ela explica que é possível se interessar e querer viver com uma pessoa, independentemente da idade, sendo que essa decisão depende muito mais do interesse do casal em criar esse vínculo e das condições atuais de vida. “O que sabemos é que o amor acontece de maneiras diferentes em cada etapa das nossas vidas e essa questão de se relacionar afetivamente na velhice é importante, pois faz a pessoa se sentir viva e socialmente inserida.”
Valmari comenta que o “estar” em uma relação também melhora o autocuidado da pessoa idosa, que passa a ter mais vontade de viver e deseja experimentar novas situações com o par. De acordo com a psicóloga, a autoestima também melhora quando se está em um relacionamento saudável, principalmente depois dos 60 anos, quando os “protocolos” acabam. “Com o aumento da expectativa de vida, esses relacionamentos podem ser muito melhores, qualitativamente falando, depois de uma certa experiência de vida”, diz.
Diferenças
Relacionar-se aos 30, 40, 50 e após os 60 anos é diferente. Diferenças essas mais condicionadas às características de personalidade, ao meio social e cultural que essas pessoas estão inseridas. Segundo Valmari, um ponto que chama a atenção é que ocorreram mudanças significativas na forma que as pessoas se relacionam. Hoje, por exemplo, é comum que pessoas com 30 e 40 anos tenham filhos nessa fase, já as de 50 e 60 anos têm uma história de vida já construída, com hábitos e experiências. “Hoje, aos 60 anos, muitas pessoas estão bem física e cognitivamente, sentindo-se com a autoestima preservada, aptos a uma vida sexual importante e saudável. Sendo assim, elas têm a oportunidade de terem relações mais saudáveis do que tinham as pessoas de 60 anos há poucos anos”, relata a psicóloga, ao comentar que a família tem um papel diferente na relação das pessoas, independentemente da idade. “A interferência dos familiares é diferente em relação às faixas-etárias. No caso da pessoa idosa, a família pode tentar tratá-la com uma pessoa inexperiente e acabar interferindo, às vezes, de maneira negativa, tentando protegê-la.”
Essa “proteção” muitas vezes adoece a pessoa idosa, fazendo com que ela não conte sobre os seus relacionamentos e passe a viver uma relação escondida. Segundo Valmari, o tabu em relação à sexualidade ainda é grande. Afinal, para muitas pessoas é difícil imaginar seus pais ou avòs namorando com outras pessoas. “É comum imaginar a velhice de uma maneira mais ‘sagrada’ e até mesmo assexuada, por isso a estranheza. Então, é preciso saber se essa proteção faz sentido realmente ou se é dificuldade em aceitar essa nova relação por ciúme”, relata, ao afirmar que quando um filho não aceita esse relacionamento, ele precisa, sim, ser escutado para saber se o motivo faz sentido. “O famoso ‘Porque não’, não pode ser levado em consideração.”
Etarismo
Embora a população 60+ esteja pronta (e apta) para o amor, o etarismo ainda é muito presente. No Casamento às Cegas Brasil 50+ uma mulher de 70 anos, saudável e pronta para um relacionamento, comentou em um dos episódios que a sua idade pesou na hora de ser escolhida por um homem. De acordo com a psicóloga, esse reality é interessante porque mostra homens e mulheres totalmente diferentes, reafirmando que não precisa ser jovem, bonito, inteligente ou ter uma boa condição financeira para iniciar um romance. “Uma mulher mais jovem ficou em dúvida entre um homem de 50 anos e outro de mais de 60, que era mais ativo, atuante e brincalhão. Nesse caso, embora não tenham ficado juntos, não existiu etarismo, o que é interessante e reforça que é a idade é apenas um marcador biológico”, diz. Outro ponto que chamou atenção foi a imaturidade de alguns participantes. “Idade não traz maturidade. É preciso considerar as experiências e a personalidade, muito mais que a faixa-etária quando o assunto é capacidade de sustentar relacionamentos.”
Proteger-se também faz parte. O risco de ser traído, preterido e explorado existe em qualquer faixa-etária. Para evitar cair em uma “cilada afetiva”, Valmari orienta a pessoa a cuidar de sua autoestima, olhando para o par sem tantas idealizações e não aceitar qualquer relacionamento para não ficar sozinho. “Existem muitas formas de se espantar a solidão e ter companhia, buscando convívio social com pessoas que não sejam tóxicas e que permitam relações saudáveis e que venham para agregar.”
Sobre a SBGG
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), fundada em 16 de maio de 1961, é uma associação civil sem fins lucrativos que tem como principal objetivo congregar médicos e outros profissionais de nível superior que se interessem pela Geriatria e Gerontologia, estimulando e apoiando o desenvolvimento e a divulgação do conhecimento científico na área do envelhecimento. Além disso, visa promover o aprimoramento e a capacitação permanente dos seus associados, contribuindo para um envelhecimento humano, digno e saudável.
Foto de Nihon Graphy na Unsplash


