O Observatório da Cultura do Brasil defende uma reforma ampla da lei, para que seja reconstruída sob bases democráticas e federativas
O Ministério da Cultura abriu em 1º de novembro de 2025 uma consulta pública para revisar o normativo da Lei Rouanet, principal mecanismo de fomento cultural do país. A proposta, disponível no portal do MinC até 15 de novembro, pretende “aprimorar procedimentos e garantir maior transparência”. Para especialistas, contudo, a medida reconhece uma crise antiga e não atinge o cerne dos problemas estruturais da lei.
O Observatório da Cultura do Brasil lembra que desde os anos 1990, a Rouanet foi apresentada como um modelo liberal de incentivo, permitindo que empresas escolhessem projetos culturais e deduzissem valores do Imposto de Renda. Na prática, o sistema transformou-se em instrumento de concentração de recursos. Pesquisas do Observatório Ibira30/UFABC (2025) e do OCB “Mérito no julgamento de projetos nas leis de incentivo à cultura” (NETO, 2012), revelam, respectivamente, que bairros centrais de São Paulo e de capitais do Centro-Oeste concentram cerca de 80% dos recursos.
O diagnóstico foi reforçado pelo livro “40º Aniversário do MinC” (OCB, 2025), baseado em auditorias do TCU e CGU, que revelou um passivo de 26 mil projetos sem prestação de contas. A pesquisa aponta deficiências de governança, ausência de critérios de regionalização e falta de instrumentos de controle. O próprio MinC reconheceu, em novembro, que 22,5 mil novas propostas foram registradas apenas em 2025, número que tende a ampliar a sobrecarga administrativa.
Artigos publicados na Folha de São Paulo também destacam o paradoxo central da Rouanet: as empresas definem o que é cultura com recursos públicos, convertendo incentivo fiscal em marketing. Mesmo com novas linhas como Rouanet Juventude, Favelas, Norte e Nordeste, especialistas apontam que os editais são pontuais e não corrigem o desequilíbrio histórico na distribuição dos recursos.
A abertura da consulta pública é vista como resposta política após críticas crescentes e a crise recente da chamada “Lei do Streaming”. Para o OCB, o governo tenta sinalizar diálogo, mas sem propor mudança legislativa. Segundo o relatório da entidade, “sem uma reforma ampla da lei, as revisões normativas continuarão tratando sintomas, e não causas”.
O Observatório defende que a Rouanet seja preservada e reformulada, com critérios de regionalização, transparência digital e controle social efetivo. A proposta mais avançada em discussão é o PL 1730/2023, que autoriza o cidadão a destinar parte do Imposto de Renda diretamente a projetos culturais. Para o OCB, esse tipo de inovação, somada à redistribuição equitativa dos recursos entre os estados, poderia transformar a lei num instrumento de justiça cultural, e não apenas de marketing empresarial. “Não se trata de extinguir a Rouanet, mas de reconstruí-la sob bases democráticas e federativas”, afirmam especialistas do Observatório da Cultura do Brasil. “O país precisa de uma política de fomento que sirva à cultura, e não ao poder econômico.”
Serviço:
Baixe o livro “40º Aniversário do MinC: uma análise da gestão diante de condenações do órgão em auditorias do TCU e CGU”.
https://observatoriodacultura.com.br/
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