Adeildo Nascimento, especialista em cultura organizacional, analisa o fenômeno chamado “o desaparecimento da convivência no trabalho”, crescente nas empresas
A pandemia passou, mas deixou uma herança silenciosa nas relações de trabalho. Cada vez mais empresas se deparam com um novo fenômeno: o desaparecimento da convivência. O escritório, antes um espaço de troca e convivência, hoje se tornou quase um cenário vazio, o chamado “escritório fantasma”.
Para Adeildo Nascimento, CEO da DHEO Consultoria e especialista em cultura organizacional, o problema vai muito além do home office. Ele representa uma transformação de comportamento. “A vida nos escritórios não é mais a mesma. Mesmo com o retorno presencial, algo se perdeu. Não é só a tecnologia que mudou. Estamos diante de uma geração que tem preferido o isolamento à convivência”, analisa.
Geração Antissocial
O debate sobre modelos de trabalho reflete um fenômeno mais amplo: o sentimento de estranhamento em relação ao ambiente corporativo e a queda na interação social presencial observada em pesquisas. Apesar de grandes empresas sinalizarem um movimento de retorno ao presencial, dados de um estudo recente, conduzido pelo Núcleo de Estudos de Comportamento e Gestão de Pessoas (CENEG) do Insper, indicam a estabilidade do padrão híbrido. A pesquisa mostrou que o trabalho remoto se manteve em patamares elevados pós-pandemia, com uma média de 2,32 dias remotos por semana.
Para Adeildo, esse cenário reflete uma geração que valoriza a autonomia, mas corre o risco da desconexão emocional. Essa mudança é percebida nas empresas por meio de vínculos enfraquecidos, menos empatia e uma convivência rarefeita, que afeta diretamente o desempenho coletivo. Ele destaca, por exemplo, o fim da “cultura do café”, essencial para a troca espontânea e o fortalecimento de laços. “Essa ausência de interação também fragiliza a formação de líderes. Mentoria não se faz por planilha nem por call. O líder precisa observar o comportamento diário, perceber nuances, acompanhar o time. E isso só acontece no encontro presencial”, avalia.
Os resultados do CENEG/Insper reforçam essa resistência à volta integral. A pesquisa aponta que a restrição do trabalho remoto pode ser vista pelos colaboradores como uma quebra no “contrato psicológico”, criando um risco significativo de evasão de talentos. O levantamento quantificou essa aversão: até 93% dos profissionais que trabalham cinco dias remotamente considerariam mudar de emprego se perdessem o trabalho a distância integral. Diante disso, o estudo sugere que, ao adotar o modelo 100% presencial, as organizações devem oferecer contrapartidas (como benefícios ou salários mais altos) e garantir que a presença física proporcione interações interpessoais de alta qualidade e momentos de coaprendizagem, validando o tempo gasto no escritório.
Recriar o propósito
O desafio agora é reconstruir o sentido da presença. “Trazer as pessoas de volta apenas por obrigação não funciona. O escritório precisa ter propósito, ser um lugar de conexão, não de controle”, pontua o especialista. Uma das saídas está em transformar o ambiente físico em um espaço de experiência, quase como um “local de evento” corporativo, onde o encontro tem um significado claro e desperta o desejo de participar. Não faz sentido chamar as pessoas para fazer no escritório o que poderiam fazer em casa. O que precisa existir ali é troca, aprendizado e sentido.
Neste contexto, Adeildo defende uma mudança no desenho dos espaços. “Muitos escritórios ainda seguem o modelo da Revolução Industrial com baias, divisórias, telas por todos os lados. Se não houver ambientes que incentivem a convivência, estaremos promovendo solidão com gente presente”.
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foto: divulgação


