Diagnóstico precoce e alimentação adequada são fundamentais para garantir desenvolvimento saudável
O início da vida é marcado por descobertas diárias: o primeiro olhar, os primeiros passos e as primeiras palavras. Para crianças com fenilcetonúria (PKU), cada um desses marcos só é possível quando o tratamento começa cedo e é mantido de forma contínua. Nesse processo, o diagnóstico rápido e a alimentação não são apenas parte do cuidado, mas o eixo central que protege o cérebro e garante o desenvolvimento saudável – uma vez que a falta de intervenção precoce pode causar sequelas neurológicas graves, incluindo atraso no desenvolvimento, convulsões e dificuldades de aprendizado.1,2,3
A PKU é uma doença genética rara diagnosticada por meio do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), o “teste do pezinho”, ainda nos primeiros dias de vida. A condição impede que o corpo metabolize adequadamente a fenilalanina, um aminoácido presente em alimentos ricos em proteínas.
“Quem tem a doença precisa seguir uma dieta restrita e altamente específica, que inclui frutas, vegetais, raízes e alimentos com baixo teor proteico, complementada pelo uso de fórmula metabólica rica em aminoácidos, vitaminas e minerais. E a fase mais importante vai do nascimento até os seis anos de idade. Se não houver intervenção precoce para que os níveis de fenilalanina não aumentem ou fiquem muito baixos, as perdas neurológicas podem ser irreversíveis”, alerta a nutricionista Natalia Cristina Shimada, da Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (FEPE), que atua com pacientes com PKU no Paraná há mais de dez anos.
Natalia ainda explica que manter a adesão à dieta é um desafio para os pacientes. A seletividade alimentar, a restrição social e a dificuldade em manter a fórmula a longo prazo aumentam o risco de abandono do tratamento. “É preciso individualizar a conduta. Crianças podem recusar alimentos, adolescentes podem se revoltar com a dieta, e muitas vezes faltam terapias de apoio nessa fase crítica”, explica Natalia, que destaca que o trabalho do nutricionista vai muito além dos cálculos alimentares: também envolve acolhimento, escuta e adaptação das orientações ao dia a dia de cada família.
Livro de receitas da FEPE
Para tornar a rotina alimentar de pacientes mais leve e prática, Natalia explica que a FEPE, em conjunto com pacientes, familiares, nutricionistas e colaboradores, desenvolveu um livro de receitas com 30 opções entre doces e salgados. O material foi pensado para o dia a dia e para ocasiões especiais, com o objetivo de facilitar a vida dos pacientes e suas famílias. Mais do que um guia de apoio, o livro é uma ferramenta de inclusão, que busca promover o pertencimento e mostrar que é possível variar o cardápio mantendo a dieta segura.
Desigualdade no acesso ao tratamento
Apesar dos avanços, o acesso ao tratamento continua sendo uma barreira no país. A nutricionista ressalta que alguns esados conseguem oferecer estrutura e acompanhamento multiprofissional, enquanto outros ainda enfrentam atrasos no diagnóstico e até falta de fórmulas metabólicas. “Recebemos muitos pacientes outras regiões que não têm sequer a fórmula garantida. Apenas um em cada cinco consegue acesso. É uma disparidade que compromete o futuro dessas crianças”, afirma a nutricionista.
Atualmente, existem dois tratamentos para fenilcetonúria aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. Uma terapia enzimática indicada para pacientes a partir de 16 anos e um outro medicamento, que no Sistema Único de Saúde (SUS) tem uso restrito a mulheres em planejamento gestacional ou gestantes com fenilcetonúria.4
A nutricionista conclui lembrando que a PKU não se resume a restrições alimentares: é uma luta coletiva por dignidade e equidade. “O trabalho que fazemos na FEPE vai além da nutrição. É acolhimento, é dignidade e é garantir os direitos desses pacientes. Que possamos seguir cada vez mais fortes nessa missão”, finaliza.
Referências
1 CONITEC – Relatório de Recomendação-Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Fenilcetonúria de março de 2019.
2 Bilder DA, Noel JK, Baker ER, Irish W, Chen Y, Merilainen MJ, Prasad S, Winslow BJ. Systematic Review and Meta-Analysis of Neuropsychiatric Symptoms and Executive Functioning in Adults With Phenylketonuria. Dev Neuropsychol. 2016 MayJun;41(4):245-260.
3 Vockley J, Andersson HC, Antshel KM, Braverman NE, Burton BK, Frazier DM, Mitch ell J, Smith WE, Thompson BH, Berry SA; American College of Medical Genetics and Genomics Therapeutics Committee. Phenylalanine hydroxylase deficiency: diagnosis and management guideline. Genet Med. 2014 Feb;16(2):188-200.
4 CONITEC – Relatório de Recomendação de Sapropterina para o tratamento de fenilcetonúria de dezembro de 2018. Disponível em: Link
foto: freepik


